Previsões de Estabilidade Cambial, Inflação Moderada e Selic de um Dígito, com Aviso sobre Desafios na Trajetória Fiscal
Em 2024, vislumbramos perspectivas otimistas para a taxa de câmbio, prevendo uma trajetória de baixa volatilidade. A inflação, sustentada pelos efeitos defasados da política monetária na atividade econômica, permanece bem-comportada. Além disso, há a expectativa de uma redução na taxa de juros, possivelmente abaixo de dois dígitos. No entanto, é crucial destacar que economistas advertem sobre possíveis obstáculos na concretização dessas projeções, sendo a trajetória fiscal do país identificada como o principal ponto de atenção e potencial risco para essas expectativas promissoras.
Câmbio
Carlos Kawall, fundador da gestora Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, destaca a estreita relação entre o desempenho atual e futuro do câmbio com a situação das contas externas do Brasil. Ele observa uma intensificação desse ganho, especialmente impulsionado pelo comportamento das commodities, uma tendência que se acentuou desde o ano passado.
O ano de 2023, segundo o economista, trouxe um cenário distinto, onde o protagonismo não foi mais atribuído aos preços elevados das commodities, como em 2022. Em vez disso, um superávit comercial recorde foi impulsionado pela elevação dos preços de commodities, gerada pelos efeitos da guerra na Ucrânia, resultando em uma inflação global ascendente e exigindo políticas de juros mais altas dos bancos centrais.
Kawall destaca que, em 2023, mesmo com preços internacionais mais baixos, o Brasil continua a se beneficiar da safra recorde de grãos e do notável aumento na produção de petróleo, projetada para fechar o ano com um aumento entre 12% e 15%. O país está progressivamente aproveitando a condição de exportador líquido de petróleo e os preços favoráveis de minério e commodities do agronegócio.
A expectativa é que o superávit comercial do Brasil permaneça robusto, alcançando cerca de US$ 95 bilhões neste ano, mesmo com a previsão de um leve declínio no próximo ano, situando-se entre US$ 80 bilhões e US$ 85 bilhões, devido a questões climáticas, como o El Niño. Kawall ressalta que, apesar de uma safra ligeiramente menor, ela ainda superará as anteriores, contribuindo para a sustentação desse superávit.
Kawall sugere que a melhoria no fluxo cambial pode ter um componente mais estrutural, indicando uma mudança que não está mais atrelada a fatores cíclicos. Ele faz uma análise histórica, comparando a vantagem do primeiro governo do presidente Lula, que se beneficiou do ciclo de alta nos preços das commodities, com a gestão de Dilma Rousseff, que enfrentou uma queda, resultando em déficit comercial. Agora, em 2023, mesmo com a queda nos preços, o superávit comercial aumentou, ancorando a inflação e permitindo uma trajetória de queda na taxa Selic, mesmo em um contexto de taxas elevadas no exterior.
Marco Antonio Caruso, economista chefe do PicPay, destaca que o cenário internacional está entrando em um período em que as moedas serão influenciadas pelo diferencial de juros. O Brasil já iniciou a redução da Selic, enquanto projeções indicam que a zona do euro pode começar a aliviar sua política em março, e os Estados Unidos, possivelmente, só em maio. Além do diferencial de juros, Caruso considera o diferencial de crescimento como um fator crucial em suas previsões. Ele antecipa que, em 2023, a Europa pode entrar em recessão antes de outras regiões, desacelerando mais rapidamente.
Caruso observa que, embora a desaceleração esperada na economia brasileira não seja tão abrupta, com uma estimativa de crescimento de 1,3% após cerca de 3% neste ano, esse fenômeno pode ser significativo para o cenário global. Destaca-se a possibilidade de recessão em grandes economias, especialmente nos Estados Unidos, desenhando uma perspectiva de dólar forte, embora por enquanto não seja o cenário básico.
Quanto ao comportamento do real, o economista chefe do PicPay destaca a crescente discussão sobre a dificuldade do governo em apresentar um caminho para as contas públicas que esteja em consonância com a estabilidade da dívida. Ele aponta que essa discussão já está aquecida, com o governo tentando evitar mudanças na meta de déficit zero para o próximo ano. No entanto, essa questão deve ganhar mais destaque ao longo do tempo, não se limitando apenas a 2024, mas abrangendo os próximos anos. Para o ano que vem, a estimativa é de um déficit primário de 0,7% do PIB.
Diante da perspectiva de um dólar um pouco mais forte e desafios fiscais internos, a projeção é que 2024 termine com o dólar mais alto do que no final de 2023, embora a desvalorização não deva ser expressiva. A previsão atual aponta para um câmbio de R$ 4,90 para o final deste ano e R$ 5,15 estimados para o final do ano que vem, refletindo as idiossincrasias do cenário brasileiro. O economista pondera que isso pode influenciar, mas não vislumbra um dólar globalmente superforte no próximo ano.
No curto prazo, ele antecipa um primeiro trimestre com um câmbio ainda favorável. Além disso, as discussões sobre cortes de juros ao redor do mundo podem abrir oportunidades interessantes de captação para as empresas, uma vez que o dólar deve se manter mais baixo e o real mais valorizado nesse período.
Leonardo Costa, economista da ASA Investments, prevê uma tendência modesta no câmbio, destacando que a desvalorização estará condicionada ao diferencial de inflação entre o Brasil e os Estados Unidos. Ele aposta na desvalorização do real em relação ao dólar, fundamentando essa perspectiva na crença de que a inflação no Brasil será maior do que nos Estados Unidos nos próximos anos.
André Nunes de Nunes, economista chefe do Sicredi, compartilha da visão de uma taxa de câmbio um pouco mais desvalorizada no final do próximo ano, situando-se em torno de R$ 5,10 por dólar. Ele observa que, embora o diferencial de taxa de juros diminua, o enfraquecimento esperado na economia americana, sem enfrentar uma recessão aguda, pode atenuar a desvalorização. Nunes ressalta que fatores como a manutenção do fluxo de capitais para o país e o saldo comercial positivo contribuem para prever uma desvalorização branda.
Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank, destaca a influência das questões internas e da trajetória global do dólar na dinâmica da moeda brasileira. Ele enfatiza que o cenário externo tem sido determinante para o comportamento do câmbio brasileiro ao longo da segunda metade do ano, sendo fortemente influenciado pelas ações do Federal Reserve. Salles acredita que os juros nos Estados Unidos não devem cair tão cedo, o que contribuirá para manter a força do dólar americano.
No cenário doméstico, o C6Bank prevê uma redução da taxa Selic para 9,25% até meados do próximo ano, o que resultará em um diferencial de juros menor e um retorno relativo menos atrativo para os investidores no Brasil. A instituição acredita que esse fator terá um impacto significativo e conduzirá a uma depreciação do real em relação ao dólar. No entanto, ressalta que existem outros fundamentos que podem influenciar a taxa de câmbio, destacando a importância de fatores fiscais. Em caso de frustração nas expectativas de déficit primário no próximo ano, o movimento de depreciação do real pode se intensificar.
Ricardo Aragon, sócio e fundador da Matriz Capital, destaca a relevância do binômio fiscal/monetário na precificação do dólar ao longo do ano. Ele observa que, no âmbito fiscal, é crucial avaliar se a reforma tributária terá impactos positivos na economia, especialmente na eficiência do setor de consumo, e se o arcabouço fiscal será suficiente para reduzir os déficits governamentais recorrentes. Quanto à política monetária, Aragon aponta que se a inflação se mantiver próxima à meta e os cortes na Selic continuarem, isso pode contribuir para uma avaliação menor do dólar. No entanto, em caso de uma política expansionista sem parâmetros fiscais, uma apreciação da inflação poderia resultar em um dólar acima de R$ 5,50 no final do ano.
Ele destaca o Brasil como um destaque entre os países emergentes, tanto no ajuste da política monetária quanto na atratividade de negócios, especialmente derivados do agronegócio para exportação, além do papel fundamental na geração e desenvolvimento de energias renováveis. Contudo, Aragon alerta que uma desaceleração na China, afetando as exportações brasileiras, e os desafios fiscais de um país extremamente endividado podem reduzir o apetite pelo Brasil.
Inflação
Ricardo Aragon, da Matriz Capital, expressa a visão de que os gatilhos para uma alta da inflação em 2024 permeiam toda a cadeia de produção e distribuição de alimentos. Ele destaca que fatores climáticos podem exercer um impacto negativo na produção de alimentos, enquanto o preço do petróleo internacional pode ter consequências significativas na distribuição. Nesse contexto, Aragon ressalta a importância de estar atento à política de preços adotada pela Petrobras, considerando-a um fator preponderante para determinar o que seria considerado um “preço justo”.
Felipe Salles, do C6 Bank, identifica três fatores que podem influenciar a inflação em 2024. Primeiramente, destaca os preços dos alimentos, que, após uma queda acentuada, retornaram a patamares positivos em novembro, com alerta para o possível impacto do El Niño. Em segundo lugar, aponta o câmbio depreciado como uma preocupação para o controle da inflação, apesar do alívio recente na cotação do dólar. O terceiro fator é um mercado de trabalho aquecido, com taxas de desemprego abaixo da média histórica, impondo desafios à continuação da queda da inflação de serviços. A projeção do IPCA para 2024 é de 5,5%.
Carlos Kawall, da Oriz, prevê uma inflação mais próxima de 4,5% no final deste ano, gerando uma inércia favorável para o próximo ano, destacando a firme condução da política monetária pelo Banco Central. No entanto, alerta para a trajetória fiscal como um elemento de risco, assim como os juros internacionais e o cenário externo.
André Nunes de Nunes, do Sicredi, atribui a desinflação em 2023 à taxa de câmbio mais valorizada e à queda nos preços internacionais de alimentos e combustíveis. Destaca os riscos para 2024 relacionados a alimentos, especialmente em função dos impactos do El Niño, e ao setor de serviços, analisando o comportamento do mercado de trabalho.
Leonardo Costa, da ASA Investments, destaca o risco climático do El Niño, concentrado em itens mais voláteis. Ele também menciona a resistência da atividade econômica como um fator que pode manter os núcleos de inflação em patamares mais elevados.
Marco Antonio Caruso, do PicPay, observa surpresas positivas de menos inflação para itens mais inerciais, como os serviços, sugerindo uma desinflação mais consistente e duradoura. Ele ressalta que, mesmo com as reduções da Selic, o juro real permanecerá em patamar contracionista, mantendo uma visão construtiva para a inflação em 2024, com uma projeção reduzida do IPCA de 3,9% para 3,7%. Caruso também destaca que a relação entre pleno emprego e inflação de serviços não se mantém como no passado, e os preços administrados em anos de eleição tendem a ter um comportamento benigno.
Juros
A perspectiva de o Banco Central avançar em seu ciclo de cortes de juros para um patamar abaixo de dois dígitos tem gerado otimismo entre a maioria dos economistas consultados. Marcos DeMarchi, economista chefe da Oriz Partners, trabalha com a hipótese de uma Selic de 9%, a ser alcançada em setembro, destacando que nos últimos três ou quatro meses, os dados domésticos têm favorecido gradualmente essa trajetória. Ele ressalta a importância da política monetária dos Estados Unidos nesse cenário, indicando que se o país conseguir um pouso suave da economia e o Fed mantiver os juros no atual patamar, o BC brasileiro poderá entregar uma Selic abaixo de dois dígitos.
Caruso, do PicPay, observa que a combinação de desaceleração da atividade com uma visão benigna para a inflação em 2024 abre espaço para juros mais baixos. Sua projeção é uma Selic de 9,5% ao final do ano, mas ele pondera sobre a possibilidade de ser ainda mais baixa. Há uma discussão sobre uma potencial mudança para um novo regime global com menos inflação, menos PIB e menos juros, indicando que ventos externos favoráveis podem influenciar a adoção de taxas mais baixas no Brasil.
Ricardo Aragon, da Matriz Capital, sugere que os juros podem flertar com patamares abaixo de 10% ao ano em 2024, destacando que o dever de casa interno tem mais importância do que fatores externos. Ele aponta benefícios para o Brasil devido ao cenário desafiador em outros países emergentes, como Argentina, Turquia, Rússia e Índia. Aragon destaca preocupações sobre a ancoragem da inflação à meta, mencionando possíveis conflitos entre o presidente Lula, o ministro da Fazenda Fernando Haddad e o presidente do BC Roberto Campos Neto sobre a necessidade de cortes de juros mais expressivos para uma política mais expansionista. Ele alerta que a escolha de novas autoridades monetárias pode impactar o controle inflacionário e gerar incerteza para o capital estrangeiro.
Felipe Salles, do C6 Bank, observa que o Banco Central sinaliza a possibilidade de cortar juros para além de 10%, com projeções de inflação para 2024 em 3,6%, considerando uma Selic de 9,25%. Ele destaca a composição do Copom como um fator relevante, com a substituição de membros e a possibilidade de novos diretores atribuírem importância distinta aos objetivos do BC. O C6 Bank projeta uma Selic de 11,75% ao final deste ano e de 9,25% ao final de 2024.
André Nunes de Nunes, do Sicredi, acredita que o BC conseguirá reduzir a Selic para 9,00% no final de 2024, sustentado por uma atividade econômica mais fraca no Brasil e no mundo. No entanto, ele alerta que o quadro fiscal pode comprometer a sustentabilidade da taxa nos níveis projetados, especialmente se as metas do arcabouço fiscal forem abandonadas.
Leonardo Costa, da ASA Investments, relaciona a “desancoragem” da expectativa de inflação mais longa ao crescimento do risco fiscal. Ele não vê uma solução fácil para esse problema, acreditando que o BC é técnico e os novos diretores devem seguir a institucionalidade.